sábado, 25 de dezembro de 2010

Não precisa de título, sentir não tem título

Ceres passou a noite em claro, isso não é novidade, mas sim parte de sua rotina. Olhou diversas vezes pela janela como se procurasse por algo que não encontrava. Não sei o que era, mesmo por que, quando se trata de definir algo sobre ela, as palavras faltam, simplesmente não se encontra nada que possa descrevê-la ou defini-la. Aliás, definição é uma palavra mortífera para ela.

Fiquei feliz por que ela encontrou papel e caneta, papel branco, caneta azul. Gosto de ler o que ela escreve, é estranho, mas gosto de imaginar suas palavras, letras e mesmo que complicadas suas palavras as imagens que os escritos me proporcionam surtem em mim um efeito bom. Mas enganei-me, Ceres não conseguiu escrever, sentia-se agoniada, enfadigada .

Nenhuma palavra, nenhum papel, nenhum perfume... nada e tudo ao mesmo tempo. Ceres andava de um lado ao outro, deitava e levantava... a cama parecia não aquecer. A janela era uma válvula de escape, mas a neblina cobria seus cúmplices: a Lua e as Estrelas.

Ceres estava só, com medo. Estava com ela mesma e isso, essa solidão tão almejada a fazia se sentir mau. Definitivamente, só de observar, nota-se, que se trata, de quem não sabe o que quer. Quando não encontra solidão, papel e caneta, aborrece-se. Quando os tem não sabe comportar-se. É como se ela não fosse daqui. É como se aqui não fosse seu lugar.

Parece haver um outro mundo dentro dela. Por vezes sinto que o mundo criado por ela não lhe faz bem. Mas quando em sua companhia me encontro durante os dias, e vários dias seguidos, já á tempos, posso ver que a realidade lhe é uma ameaça. Viver para ela é uma agonia no meu modo de ver, mas ela não sabe explicar o que sente.

Vou me colocar a observá-la, ainda mais que nunca. E roubar seus escritos me faz tão bem, assim como me fazem mal. Tentar imaginar seu sentir, me faz bem, assim como me faz mau. Assim como um dia ela escreveu:

“..viver para mim é tão bom que se torna ruim, pois alcanço e esgoto-me na tristeza por simplesmente, conseguir, não sei o que quero, e nunca mais me faça esta pergunta, eu lhe peço, seu silêncio me afeta, mas esta pergunta me deixa com ódio...” (CERES).

Não se pode terminar um texto com citação, mas estas palavras esgotam-se no que dizem, que Ceres não ouça isso, pois para ela, as palavras “nada dizem” e nada se "esgota".

Márcia Alcântara
Yule 2010.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bilhete...

Hoje Ceres resolveu escrever, parecia estar afobada e ao mesmo tempo tranqüila. No consegui identificar nela seu verdadeiro sentir, é como se sentisse a tudo e não sentisse nada. É como magia que não existe. Mas como desatenta que é, consegui pegar, sem que ela notasse minha presença, um bilhete escrito, prestes a ser colocado em um envelope branco, as cores das letras eram azuis e o perfume era cítrico-doce, lembrava ser de jabuticaba. O remetente, como sempre, ela escreve com uma caneta mágica, impedindo meus olhos de ver, parece que o remetente de suas cartas é mais importante que seus escritos. Mas por hora, aprecio e agradeço por conseguir ler suas palavras doces, amargas...salgadas talvez.


Um dizer para você.

Nunca senti o que agora sinto. Talvez eu nem saiba o que é realmente isso. Tento saber, mas desisti por momentos tentar dar sentido a tudo. Agora estou preferindo sentir o que não tem sentindo. Saborear o que não tem gosto. Nesse mundo e nessa vida, essa que estou agora e que talvez não seja a sua, estou completamente sóbria e perdida. Sóbria por que sei onde estou e perdida propositalmente, pois não quero encontrar-me. É um perigo encontrar-me, pois corro o risco de estar encontrando, também, a ti. Por hora assumi a posição de sair e me esconder. Julguei ser melhor assim, mas é fato que não sei julgar nada. Não sei julgar nem qual o melhor momento para voltar do mundo que criei e chegar até a verdade, se é que exista alguma. Talvez a verdade seja aquela que eu queira, mas por hora não estou a querer nada.
Ceres
Tarde quente com pingos de chuva – primavera 2010.


Márcia Alcântara
primavera 2010